O princípio da indissociabilidade do Ensino, Pesquisa e Extensão que está no Artigo 207 da Constituição Federal implica, em primeiro lugar, que a Universidade tem que ensinar, e eu imagino que todo quase mundo tenha uma ideia mais ou menos clara disso. Ou seja, a Universidade é de fato uma imensa escola, um local onde as pessoas vão para aprender alguma coisa. As Universidades são responsáveis pelo ensino superior, ou seja, o Ensino que vai dar às pessoas uma formação específica em termos profissionais. Por exemplo, vamos formar nas Universidades os professores, biólogos, médicos, odontólogos, enfermeiros, engenheiros, advogados, etc. E os estudantes da Universidade vão aprender com os professores que são contratados para ensinar lá. Ótimo, até ai imagino que faça bastante sentido, mas tem mais...Afinal, qual a diferença então entre uma Universidade e uma escola qualquer que queira ensinar essas atividades profissionais? Precisamos avançar mais para responder à essa questão e a chave para isso é avançar no entendimento do princípio da indissociabilidade.
O segundo componente do princípio da indissociabilidade é a pesquisa. A Universidade tem que fazer pesquisa e aqui as coisas começam a ficar um pouco mais complicadas ou nebulosas. Ou seja, a Universidade, ou melhor, seus professores (e, eventualmente, os técnicos) devem, além de ensinar, gerar conhecimento. Se nós estamos falando de áreas científicas, como a minha área de Ecologia e Evolução, por exemplo, isso significa então que eu devo pensar em assuntos ou questões que são desconhecidas da ciência atual nessas áreas e tentar encontrar respostas para essas questões. Tenho que tentar descobrir coisas novas... Assim, os professores das Universidade são, também, cientistas ou pesquisadores! Ótimo, mas ainda temos o terceiro componente do princípio da indissociabilidade, que na realidade diz que esse conhecimento (científico, por exemplo) que é produzido pelos docentes/pesquisadores não pode ficar apenas dentro da Universidade, ou seja, precisamos levar esse conhecimento para toda a sociedade. Ao mesmo tempo, precisamos aprender com essa sociedade, entender de forma dialética e interativa, para que possamos dar mais significado ao conhecimento produzido. Essa é a ideia do terceiro componente da indissociabilidade, a extensão!
É comum usarmos a metáfora de que a Universidade se baseia em um “tripé” formado pelo ensino, pela pesquisa e pela extensão...Nós temos vários aspectos muito interessantes para discutir sobre esse tripé, vamos ter que explorar com mais calma essas várias implicações. Em primeiro lugar, notem que, na Universidade, o ensino, pesquisa e a extensão estão indissociados, essa é a outra palavra importante que está no nosso texto constitucional. Isso quer dizer que não é suficiente que a Universidade apenas desenvolva esses três componentes de atividades. O ponto fundamental é que essas atividades têm que acontecer de forma integrada, se reforçam. Por exemplo, à medida que uma Universidade faz pesquisa de alta nível, espera-se que isso se reflita em uma maior qualidade de ensino ou que essa Universidade possa ter um papel social mais importante (por exemplo dando nos hospitais universitários tratamentos mais modernos e inovadores que não são encontrados em outros hospitais onde não haja pesquisa). Assim, formamos um ciclo das três atividades, de pesquisa, de ensino e de extensão, que se reforçam mutuamente, e espera-se que uma Universidade forte possua esses três ações bem equilibradas. Isso é importante...Não adianta uma Universidade ser muito forte em pesquisa se isso não se reflete no Ensino (e já adianto que isso em geral não acontece). Afinal, a Universidade não é um instituto de pesquisa dedicado a resolver alguma questão social importante ou desenvolver alguma tecnologia. Ela pode até fazer isso, mas como parte de uma missão maior de gerar e transmitir o conhecimento! Nesse sentido, é difícil estabelecer uma relação de causalidade entre os 3 componentes, em termos de qual dessas atividades é o ponto de partida...se eles se reforçam, podemos começar de qualquer lugar e devemos, em tese, chegar a um bom resultado.
Temos uma outra questão interessante aqui, que vai ser importante lá na frente quando formos falar da formação e avaliação dos professores. Quando falamos no tripé, de que “nível” estamos falando? Ou seja, quem tem que fazer Ensino, Pesquisa e Extensão? É a Universidade como um todo, dividindo-se em seus componentes humanos, ou seria cada indivíduo, cada professor, técnico ou aluno? Idealmente, todos os indivíduos deveriam atuar nas três atividades, de modo que a instituição como um todo seja forte, mas na prática isso raramente acontece. Existem alguns professores, por exemplo, que têm mais inclinação para pesquisa, outros são mais ligados à extensão. Isso varia nas diferentes áreas do conhecimento também. Por uma série de razões, algumas áreas do conhecimento, em uma dada instituição, podem ter professores que fazem uma pesquisa mais sofisticada ou avançada, enquanto que outras áreas mais “aplicadas” do conhecimento podem ter ações de extensão mais importantes. Na prática é isso que acontece, dificilmente você vai encontrar um professor que se dedique igualmente às três atividades. Mas o importante é que, como um todo, a instituição se equilibre a partir do esforço de todos os envolvidos.
Vejam então que, dentro dessa ideia do tripé, já começamos a entender uma das perguntas gerais que coloquei anteriormente. Quando um reitor ou professor diz que a sua Universidade publica 3000 artigos científicos, ele está apresentando, ou mostrando, a relevância do componente de pesquisa do tripé, querendo mostrar que os professores são também bons pesquisadores ou cientistas, que estão gerando conhecimento. Claro, ainda temos mais coisas para discutir para entendermos o que significam os 3000 artigos, mas pelo menos já entendemos que estamos falando de professores e de cientistas ao mesmo tempo!
Mas vamos voltar um pouquinho e pensar que essas atividades de ensino, pesquisa e extensão se referem. Elas se referem, lembrem, ao próprio conhecimento humano e seu contexto social, como já falamos! Em geral quando nós pensamos no tripé e na Universidade, em geral estamos falando em conhecimento científico, mas nós não podemos esquecer que há outros expressões e outras formas de conhecimento humano. Nós temos a arte, por exemplo, certo? Temos a questão mais ampla da cultura... Como eu disse antes, se estamos falando de áreas científicas a ideia de gerar conhecimento implica que os professores das Universidade seriam também cientistas! Mas temos que pensar em um contexto mais amplo de Universidade, em termos de conhecimento humano. Se estamos pensando em uma área mais ligada às artes, uma Faculdade de Música dentro da Universidade, por exemplo, então isso significa que os professores não vão, por exemplo, só ensinar um instrumento, mas eles podem também ser compositores ou historiadores; ou podem ser especialistas em um instrumento, dominar as técnicas necessárias para executar uma peça musical e entender seu significado.
Então, eu gosto muito de uma ideia que meu amigo e professor da Faculdade de Ciências Sociais aqui da UFG, Prof. Luiz Mello, e eu desenvolvemos há um tempo atrás (de fato, durante a nossa Campanha Eleitoral para a Reitoria da UFG em 2017). Representando o tripé como eixos rebatidos em um plano, nós temos o tripé ensino, pesquisa e extensão; mas nós podemos pensar em outro tripé sobreposto a ele, que seria ciência, arte e cultura. Ou seja, estamos produzindo, ensinando e socializando a ciência, a arte e a cultura! Eu gosto de pensar que esses dois “tripés entrelaçados” representam muito bem o que nós fazemos na Universidade como um todo.
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