As espetaculares fotos da Terra à noite vista do espaço feitas pela NASA mostram claramente a extensa ocupação humana no planeta e seus padrões geográficos, com uma maior intensidade luminosa nas zonas costeiras e nos grandes centros urbanos de alguns países, principalmente no hemisfério norte.

Há dois componentes que nos permitem visualizar essa ocupação em escala global do espaço. Em primeiro lugar, há, claro, o enorme tamanho da população humana e sua ampla distribuição geográfica. Mas, além disso, o mapa revela principalmente a enorme capacidade da população humana de utilizar energia, a tal ponto que isso fica perceptível à distâncias tão grandes! Esses dois componentes certamente aumentaram muito ao longo do tempo, a partir da origem da espécie humana moderna há mais de 200.000 anos atrás, como apresentado na Figura abaixo

Essa figura é relativamente bem conhecida e mostra que o aumento, na realidade, não foi gradual. Durante muito tempo a população humana era relativamente pequena, apesar da ampla distribuição geográfica, mas houve uma grande aceleração nas taxas de crescimento populacional especialmente a partir da Revolução Industrial, no final do século XVIII e início do século XIX. Entretanto, mais espetacular ainda é o crescimento no uso da energia que, em última instância, é o que aparece mais claramente nas fotos da NASA. A nossa civilização do início do século XXI é extremamente dependente de diversas formas de energia e monopolizamos uma grande proporção da energia disponível no planeta, criando uma série de problemas para as demais formas de vida. Estamos rapidamente exaurindo os recursos naturais, com consequências desastrosas para toda a biodiversidade do planeta (vejam o trabalho de Schranski e colaboradores publicado em 2015 no PNAS, discutindo exatamente o domínio da espécie humana no planeta). Com certeza existe muita discussão sobre isso e fala-se bastante sobre o problema da “superpopulação”, mas como chegamos a esse ponto?
Olhando as fotos, é quase inevitável também tentarmos imaginar o quanto a população humana ainda poderá crescer, tanto em termos de número de habitantes quanto em termos de uso de energia (e recursos naturais, de modo geral). Na verdade, desde que comecei a ensinar Ecologia e Biologia Evolutiva na UFG, em 1994, me interesso por essa questão e li repetidas vezes o artigo de Joel Cohen publicado na Science em 1995 (e seu excelente livro “How Many People Can the Earth Support”; vejam uma síntese na webpage de Cohen). O título do livro de Cohen busca exatamente responder à essa questão, ou seja, "quantas pessoas cabem na Terra?". As respostas são extremamente complexas pois há muitas variáveis em jogo e, de fato, a espécie humana possui muitas particularidades. Parafraseando S. J. Gould, somos uma espécie peculiar de primata que rastreia sua própria história e, em um certo sentido, é capaz de controlar (sendo otimista) seu futuro...
Vamos entender primeiro alguns aspectos básicos e depois discutimos as implicações desse enorme tamanho da população humana. Quando estudamos Ecologia básica, aprendemos desde cedo a ideia de “capacidade de suporte”, ou “capacidade de carga” (do inglês “Carrying Capacity”), usualmente simbolizada pela letra K nos modelos demográficos e de crescimento populacional. Esse valor de K seria o número máximo de indivíduos que uma dada área ou região geográfica é capaz de manter e, portanto, associado a fatores que limitam o crescimento da população. Não precisamos entrar nos muitos aspectos técnicos dos modelos de crescimento populacional, mas é importante termos em mente quando o tamanho da população (simbolizado por N) é igual ao K, a taxa de crescimento é zero, ou seja, a taxa de natalidade é igual à taxa de mortalidade. O que Cohen quer saber, na verdade, é qual o valor de K para a população humana global.
Existem várias ideias sobre como determinar o valor de K em populações naturais de animais e plantas, em geral considerando alguma variável que seja um limitador do tamanho ou da taxa de crescimento ao longo do tempo. Por exemplo, poderíamos pensar que a quantidade de alimentos ou o acesso à água são fatores críticos e limitantes e, em um certo sentido, essa foi a compreensão inicial dos mecanismos subjacentes ao crescimento das populações humanas. Ainda no final do século XVIII, o economista e demógrafo Thomas Malthus (1766 – 1834), publicou o “An Essay on the Principle of Population” (primeira edição de 1798), que marca na realidade o início das muitas discussões sobre o tema, em termos de suas bases econômicas e implicações sociais do crescimento populacional humano. Malthus tinha uma visão pessimista do futuro e dizia que a população humana cresce de forma geométrica quando os recursos estão disponíveis, mas estes crescem de forma aritmética. Gradualmente a população começa a sofrer com isso (na realidade, as classes sociais menos favorecidas e mais pobres é que sofreriam mais diretamente) e, com o aumento da mortalidade por fome e doenças, a densidade diminui, os recursos voltam a ser mais abundantes (em termos relativos) e, consequentemente, a população volta a crescer. A população sempre cresce inevitavelmente e exaure os recursos disponíveis, exercendo todo o seu potencial reprodutivo, entrando em colapso em seguida (o que se chama às vezes de “armadilha malthusiana”) e depois voltando a crescer. Em função dessa inexorabilidade, Malthus propôs medidas rigorosas de controle populacional pelo Estado (como as adotadas pela China já há muitos anos).
Quando estudamos o modelo (uma equação, nesse caso) que foi batizado de “modelo Malthusiano” ele não possui de fato uma capacidade de suporte K e o crescimento da população é regulado apenas pelo “potencial biótico”, simbolizado pela letra r, que é a diferença entre taxa de natalidade e de mortalidade. Quando incorporamos o K ao modelo Malthusiano, o que acontece é que, à medida que a população cresce e ela se aproxima do limite (ou seja, N converge para K), há um “efeito dependente da densidade”, que faz com que a mortalidade aumente e/ou a natalidade diminua, reduzindo assim a taxa de crescimento. Com esse efeito, a população começa a crescer rapidamente mas em seguida passa a crescer mais devagar e, finalmente, tende a estabilizar em K. Esse é o chamado modelo logístico, a equação de Verhulst-Pearl. Esses são os dois modelos gerais que estudamos nos cursos básicos de Ecologia, ou seja, um modelo no qual a população cresce de forma ilimitada, pelo menos até um certo ponto (o modelo Malthusiano) e outro onde há uma limitação pelo valor de K, que é fixo), conforme figura abaixo.

Certamente existem muitas formas de tornar esses modelos mais complexos e realistas. Podemos incluir, por exemplo, variações aleatórias nas taxas de natalidade e mortalidade e o efeito do ambiente na capacidade de suporte ao longo do tempo (criando flutuações e oscilações temporais). Mais importante, não podemos esquecer que, no caso da espécie humana, é preciso pensar em questões ligadas à cultura de modo geral e seus reflexos na economia e na estrutura e organização da sociedade, de modo que outros modelos ainda mais complexos são necessários para descrever os padrões de crescimento populacional na nossa espécie (sugiro que os leitores mais interessados nos detalhes técnicos vejam a publicação original de Cohen e essa excelente aula sobre o tema – segue-se abaixo uma descrição verbal e simplificada).
Uma ideia bem interessante inicial é que, de fato, a capacidade de suporte K não precisa ser um valor fixo, e pode depender não só de fatores externos (como o ambiente), mas também do próprio tamanho populacional. Na verdade isso depende de como cada pessoa que nasce contribui para o valor de K. Em uma visão Malthusiana, cada pessoa que nasce é uma boca para comer e usar os recursos, mas não podemos esquecer que ela também pode ser uma mão para trabalhar e, mais importante no século XXI, mais um cérebro para pensar! Em termos matemáticos, o que precisamos fazer é criar uma equação que descreva, paralelamente ao aumento do N, o aumento do próprio K considerando a capacidade das pessoas de mudar o ambiente e o mundo ao seu redor. Nesse caso, a taxa de crescimento do valor de K é diferente da taxa de crescimento do N, e regulada por uma constante c, que é chamada de constante de Condorcet (em homenagem ao filósofo iluminista francês, que possuía uma visão mais otimista do que Malthus em relação à capacidade humana de contornar obstáculos e continuar a crescer). Se essa constante c > 1, então as pessoas que nascem são capazes de aumentar desproporcionalmente o K em relação a N, no sentido de que elas criam condições e usam os recursos para garantir sua própria sobrevivência e fazem o mesmo para outra(s) pessoa(s). Desse modo, a população vai crescer de forma mais rápida do que previsto por um modelo exponencial (e vai rapidamente para valores infinitos). Por outro lado, se c = 1, a população cresce de forma Malthusiana (exponencial), já que que cada pessoa expande e melhora a utilização dos recursos apenas para sua própria sobrevivência, Por outro lado, e se c < 1, então temos o modelo logístico, onde cada pessoa que nasce não é capaz de ampliar os recursos disponíveis nem na taxa necessária para sua própria sobrevivência e, à medida que a população aumenta, isso cria uma restrição ao crescimento. Mas o c não precisa de fato ser uma constante, especialmente se pensarmos que, à medida que a população cresce muito, as oportunidades para que alguns indivíduos sejam capazes de ampliar a capacidade de suporte K melhorando a utilização de recursos tendem a diminuir. Se o c deixa de ser uma constante e passa a ser uma variável que é função do próprio N ou do tempo, então temos o que Cohen chama de modelo de Condorcet-Mill, que sintetiza os diversos cenários possíveis e prevê comportamentos mais complexos do tamanho populacional ao longo do tempo (em homenagem ao importante filósofo liberal do século XIX, Stuart Mill). Assim, o modelo final de Condorcet-Mill proposto por Cohen prevê de forma mais acurada os padrões de crescimento populacional humano ao longo do tempo, com uma fase inicial de crescimento acelerado, hiper-exponencial, passando por um crescimento exponencial no século de K entre os séculos X e meados do século XX, tendendo a estabilizar a partir de então.
Em termos mais gerais e menos matemáticos, a principal discussão que temos sobre essa questão se refere ao controle (pelo Estado) do tamanho da população humana N. O modelo de Condorcet-Mill descreve bem o padrão de crescimento populacional humana e mostra que, nos últimos anos, o valor de c tem se tornado negativo, fazendo com que a população humana tenda a se estabilizar. Isso vem ocorrendo de forma “natural” e não por políticas de Estado, por uma série de fatores ligados à redução da fecundidade pela disponibilização de métodos contraceptivos, emancipação e inserção das mulheres no mercado de trabalho, aumento dos custos per capita para criar os filhos, pelo aumento do investimento em saúde e qualidade de vida, dentre outros (e note que esses efeitos são suficientes para reduzir a taxa de crescimento mesmo considerando o aumento da longevidade...). Isso é o contrário do que tem sido proposto pelos chamados “neo-malthusianos”, como Paul Erlich, que em 1968 publicou um livro muito influente e polêmico intitulado “The Population Bomb”. Neste livro Erlich sugeria que os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, como a “revolução verde” que ampliou a oferta de alimentos, iria criar uma explosão populacional a partir dos anos 80 a população humana estaria na miséria. Não foi isso que aconteceu e, de fato, embora ainda haja muita fome em algumas regiões do mundo, especialmente na África, a taxa de crescimento está diminuindo e é bem possível que a população humana deva ser estabilizar por volta de 9 -11 bilhões de pessoas por volta de 2040-2050. Mas ainda assim há uma serie de aspectos interessantes para se considerar.
Mesmo considerando uma estabilização, será que algo em torno de 10-11 bilhões de pessoas é algo “sustentável”? De fato, poderíamos pensar que o planeta é capaz de sustentar esse tamanho populacional humana (não reforçando assim a idéia dos neo-malthusianos), mas a que preço? Em que condições? Nesse nível, talvez possamos voltar a modelos de K fixo ou máximos, uma vez que estamos alcançando os chamados “limites planetários” em diversas “dimensões” diferentes, especialmente em termos de uso de água, mudança climática e integridade da biodiversidade (vamos discutir posteriormente esses limites com mais calma, em outra postagem). Ou talvez o declínio da constante tecnológica c no modelo de Condorcet-Mill já seja um reflexo do efeito inicial desses limites...
De qualquer modo, considerando os modelos discutidos acima, há pelo menos três maneiras diferentes de pensar no futuro da população humana, equilibrando o crescimento populacional com bem-estar social, qualidade de vida e preservação do meio ambiente, a partir da equaçao de Condorcet-Mill. Em primeiro lugar, poderíamos pensar em manter e ampliar os desenvolvimentos tecnológicos, de modo a melhorar a utilização de recursos naturais e promover bem-estar social, independente das taxas de crescimento e do tamanho populacional (ou seja, em princípio fazer com que a constante c seja sempre positiva). Uma segunda opção, mais difundida talvez, é tentar utilizar mecanismos que reduzam a taxa de crescimento, mesmo sem adotar um ponto de vista neomalthusiano radical. Por fim, seria possível melhorar a interação entre as pessoas, fazendo com que elas adotem posturas mais altruístas em relação ao uso dos recursos e pensem no bem-estar coletivo. Na realidade, como o próprio Cohen coloca na entrevista que você vai encontrar no final desta postagem (e neste comentário de 2008 publicado na Nature), talvez a chave para integrar efetivamente essas três possibilidades talvez seja ampliar a educação básica e de nível médio em todo o mundo! É uma visão bastante otimista e eu particularmente gosto da ideia de manter a constante c positiva (embora não sei se isso é possível, em longo prazo; e claro que isso implicaria em colonizar outros planetas, já que com um valor de c positivo a população rapidamente e tende a valores absurdamente elevados!).
Ótimo...Mas espere, antes do veredito final e de adotarmos a visão otimista de Cohen na entrevista, temos um outro problema muito sério a considerar aqui! Estamos entendendo tudo isso como um processo global e adotando, de fato, os ideais iluministas de usar o conhecimento e a ciência para melhorar o bem estar da sociedade, no melhor espírito de Condorcet e Mill. Pensamos que se reduzirmos o crescimento populacional e tivermos uma base social mais igualitária e pessoas mais bem-educadas, podemos nos beneficiar como espécie e civilização e ultrapassar o que Carl Sagan chamou de “adolescência tecnológica”. Mas e se nem todos concordarem com isso? E se, de fato, não tivermos uma sociedade única e integrada em escala global?
Para não perdermos de vista os retrocessos em escala global e pelos quais estamos passando no Brasil, especialmente a partir do Governo Bolsonaro, quero finalizar chamando atenção para o fato de que, em setembro de 2019, a ministra da “Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”, Damares Alves, participou oficialmente do encontro da chamada “Cúpula da Demografia”, em Budapeste, Hungria. Esse encontro, organizado pelo primeiro-ministro Húngaro Viktor Orbán, reuniu diversos movimentos de extrema direita da Europa com o objetivo de discutir a preservação de valores tradicionais e da família. A ideia básica discutida é que é preciso aumentar a taxa de natalidade das famílias tradicionais e que respeitam os valores cristãos, a fim de manter a Europa ocupada por europeus, no futuro (obviamente fazendo oposição aos movimentos de acolhimento de imigrantes e seus valores culturais e sociais não-europeus). No encontro foram discutidas estratégias para que isso possa acontecer, inclusive com subsídios financeiros para famílias com esse perfil que tiverem mais filhos, indo claramente na direção contrária a qualquer política de globalização e reforçando os movimentos nacionalistas. As várias falas e declarações dos líderes e organizadores do movimento se mostram claramente contrárias às diretrizes da Organização das Nações Unidades (ONU), que foi inclusive acusada de corromper os valores tradicionais e a própria “natureza humana” (veja os detalhes das falas na excelente reportagem sobre o encontro feita pelo UOL).

O encontro da “Cúpula da Demografia” revela um aspecto extremamente interessante das discussões sobre crescimento populacional feitas anteriormente nessa postagem. Vamos voltar um pouco e lembrar que, em 1838, Charles Darwin teve o seu insight mais importante e descobriu o princípio da seleção natural exatamente ao ler o “An Essay on the Principle of Population” de Malthus (a ideia de seleção natural só veio a público em 1858 e a “Origem das Espécies” só seria publicada no ano seguinte, por diversas razões; longa história...). O ponto para o qual quero chamar atenção é que se existe uma “estrutura” na população, um subconjunto de indivíduos diferentes, e estes têm um padrão diferente em termos de crescimento populacional, qualquer atributo ou característica dessa “subpopulação” que tenha maior taxa de crescimento vai se tornar predominante com o passar do tempo. Na realidade, essa taxa de crescimento, que como já dissemos é o r do modelo Malthusiano, é justamente a medida de aptidão (fitness) nos modelos matemáticos de seleção darwiniana! Esse é o princípio da seleção natural proposto por Darwin e, independente de qualquer valor ou componente ético (no caso humano), esse princípio é uma propriedade intrínseca de sistemas que se replicam de forma diferenciada e cujos atributos são herdados ao longo das gerações. Darwin e Malthus estão, nesse sentido, inexoravelmente ligados...
Portanto, o que Damares e a “Cúpula da Demografia” propõem é exatamente adotar um princípio de seleção para ampliar o número de pessoas que adotam os valores tradicionais e da família, para que isso se torne, gradualmente, a visão de mundo predominante na sociedade! A herança dos valores, nesse caso, não é biológica (como na evolução darwiniana), mas sim cultural, ensinada às crianças desde cedo. É claro que o efeito de dominação pode ser ampliado ainda mais se for transmitido culturalmente, convencendo mais pessoas a adotar essa visão (mas vejam que a proposta da Cúpula é bem “darwiniana”, no sentido de aumentar a taxa de crescimento). Por outro lado, claro, esse efeito pode ser reduzido por políticas educacionais (mas isso pode ser um pouco mais difícil, como já discutimos, pois é preciso ir contra o efeito fortíssimo da doutrinação nas familias e nas igrejas, em vários casos...). Mas não importa, o princípio da seleção natural se aplica perfeitamente aqui, em uma nova forma do que foi chamado de “Darwinismo Social” (um nome ruim, é verdade, porque Darwin não teve de fato nada a ver com isso; o movimento está baseado nos trabalhos do filósofo inglês do século XIX Herbert Spencer). A mesma lógica de "Darwinismo Social" foi aplicada pelos movimentos de eugenia na Europa no século XIX e XX e pelos nazistas em sua política de pureza racial, eliminando qualquer pessoa que fosse diferente do estereótipo desejado por eles.
Vejam que a existência desses movimentos sociais indesejáveis nos últimos 200 anos, por si só, não tem nada a ver com aceitarmos ou não a evolução biológica e a seleção natural como um mecanismo adaptativo atuando ao longo dos bilhões de anos de história da vida na Terra. Como já disse, esse efeito é uma consequência matemática de modelos de crescimento populacional subdivididos em grupos. Se vamos ou não aplicar esse modelo de evolução, de forma consciente e planejada, à sociedade humana, é realmente uma escolha nossa! Principalmente a partir do final da 2ª. Grande Guerra e do Holocausto, acho que está claro que qualquer forma de “Darwinismo Social” é indesejável e deve ser abominada. Entretanto, percebam que esse efeito pode emergir sem que percebamos, simplesmente por uma falha na nossa avaliação da estrutura demográfica em termos das diferenças de valores culturais e sociais. Achamos que estamos vivendo em uma sociedade global única, com os mesmos valores culturais e sociais, ameaçada pelos mesmos fatores e tentando achar soluções e respostas que beneficiem a todos, mas aparentemente não é bem isso que está acontecendo...
Em síntese, quais seriam as consequências desse novo processo de “Darwinismo Social” proposto na “Cúpula da Demografia”? Aparentemente, se diversos países socialmente mais "avançados" e com uma visão democrática global começam a reduzir (de forma natural, inconsciente ou conscientemente) suas taxas de crescimento populacional, isso aparentemente traria consequências positivas em termos de bem-estar para todos no mundo. Mas se, ao mesmo tempo, grupos ultra-conservadores de extrema direita e países com uma política nacionalistas fazem o oposto, eles tendem rapidamente a dominar, numericamente, essa população global e, gradualmente, passarão a impor seus pontos de vista e suas visões de mundo. Considerando que esses grupos possuem pouca consciência dos problemas globais (já que eles são nacionalistas), especialmente em termos da crise ambiental, adotando uma visão claramente anticientífica e acreditando na ideia de que os valores cristãos devem dominar, que existe algo como “natureza humana” definida no ato da Criação Divina e que o Homem deve portanto “dominar” a natureza, então as perspectivas não são nada boas...
Estamos no limite do amanhã, no sentido de que estamos próximos ao que muitos especialistas chamam de “ponto de não-retorno”, pensando em mudanças climáticas e em termos de alguns serviços ecossistêmicos, por exemplo. A solução, claro, não pode ser entrar em uma "corrida demográfica" com a extrema direita e com grupos conservadores e dizermos que os grupos liberais e democráticos têm que aumentar ainda mais sua população (se fizermos isso, estamos pagando com a mesma moeda e assumindo uma postura de Darwinismo social também!). O que temos que fazer, como Cohen coloca no video abaixo, é ampliar a educação da população em geral e tentar insistir na importância da ciência, da tecnologia e dos valores humanistas. Afinal, não temos um controle genético determinístico, ou mesmo algo "inato", em muitas dessas características culturais e sociais, de modo que a seleção natural pode (e deve ser) bem fraca, se é que existente, isso se conseguimos aumentar o efeito de transmissão cultural. Mas, por outro lado, também precisamos estar atentos a essas novas posturas e atitudes como as propostas pela "Cúpula da Demografia" e tentar escapar da inexorável ação da seleção natural em populações (e sociedades) heterogêneas, independente dos mecanismos de herança dos atributos sociais e dos valores culturais. Assim, antes de defendermos que precisamos estabilizar a população em benefício da civilização humana como um todo (algo sensato e racional, claro), precisamos nos certificar de que essa postura não é ingênua. Precisamos contrabalancear essas posturas com educação e dando liberdade às pessoas. Mas não podemos esquecer que o fantasma do chamado “Darwinismo Social”, aparentemente, ainda assombra nossa sociedade...
PS: Em tempo...Dois dias após a postagem original, o Secretário da Cultura (ou ex-secretário agora, não importa muito...) Roberto Alvim fez um pronunciamento oficial sobre o futuro da cultura no Brasil parafraseando Joseph Goebbels, o ministro da prograganda de Hitler e um dos homens mais influentes do 3o. Reich. Coincidência? Claro que não, as políticas do atual governo Bolsonaro, incluindo a posição de Damares Alves discutida acima e sua participação na "Cúpula da Demografia", convergem fortemente com políticas nazi-fascistas...
Muito legal! O debate sobre política de demografia global me fez lembrar também do "Solução Thanos", de reduzir a população à metade, aleatoriamente. Pelo próprio modelo de crescimento logístico, é uma péssima ideia, por que se a população estivesse em sua capacidade de suporte, reduzi-la à metade a retornaria à K/2, que é o ponto de crescimento populacional máximo (maximum yield)! Ou seja, uma "armadilha Velhustiana".