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  • Foto do escritorJosé Alexandre F. Diniz F

Future-se...

O Ministério da Educação (MEC) lançou recentemente o “Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras” (FUTURE-SE), com o objetivo de modernizar a gestão e o funcionamento das Universidades e IFs. Em um evento em Brasília no dia 16 de julho, o ministro Abraham Weintraub apresentou as principais características desse programa, na presença dos reitores das Universidades Federais brasileiras (que de fato tomaram conhecimento do programa em uma reunião fechada no dia anterior) e outras autoridades. Após o lançamento do programa, o MEC divulgou um pré-projeto e abriu uma consulta pública, cujo prazo foi recentemente prorrogado até o dia 29 de agosto de 2019. Segundo o website do MEC, o objetivo geral do programa é


...promover maior autonomia financeira nas universidades e institutos federais por meio de incentivo à captação de recursos próprios e ao empreendedorismo. A adesão ao Future-se é voluntária. É importante destacar que a União manterá os recursos destinados às instituições, o que vier a mais com o programa será recurso extra”.


O programa está estruturado em 3 eixos: 1) Gestão, Governança e Empreendedorismo; 2) Pesquisa e Inovação; 3) Internacionalização. Na prática, o centro do programa é a gestão das Universidades por meio de uma Organização Social (OS), que são entidades que foram definidas pela Lei 9.637 de 15 de maio de 1988 e que são, segundo esta lei, em seu Artigo 1º, “...pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei”. Algumas organizações importantes e conhecidas na Ciência, como a EMBRAPII (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e o IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) são OS.

De modo geral, até o momento as Universidades federais têm se declarado insatisfeitas ou contrárias ao programa “Future-se”, com base em diferentes argumentos, e algumas delas já o rejeitaram formalmente em seus Conselhos Universitários. Assim, o programa “Future-se” tem sido amplamente discutido e não quero aqui repetir todos os argumentos “pró” e “contra” o programa, mas acho importante tentar avançar em alguns aspectos. Quero seguir uma linha de raciocínio começando com a ideia de que o “Future-se” foi lançado pelo MEC como um programa “inédito e inovador” e, nas palavras do próprio ministro Weintraub durante o lançamento do programa, “...[O Future-se] coloca o Brasil no mesmo patamar de países desenvolvidos. Nós buscamos as melhores práticas e adaptamos para a realidade brasileira. A maioria das medidas já acontece aqui. Nós vamos potencializá-las”. Sendo assim, qual a relação entre o “Future-se” e as principais críticas que o ministro tem feito publicamente especialmente em relação às Universidades? Quero desenvolver a seguir esse argumento e mostrar que, por um lado, aquilo que o “Future-se” pretende explicitamente resolver ou melhorar não é, de fato, um problema (em pesquisa e internacionalização, por exemplo). Por outro lado, quero mostrar que a solução para os problemas levantados pelo ministro não está explicitamente estabelecida no programa. Então, no fundo, o programa “Future-se” não deve ser o que parece ser...



Em que o Future-se pode melhorar a gestão das Universidades, do Ensino, da Pesquisa, da Inovação e da Internacionalização?


Em relação ao primeiro componente do argumento, qual a vantagem do “Future-se” para a gestão e governança das instituições, da pesquisa, da inovação e da internacionalização? Realmente acho que há muito pouca vantagem, mas vamos ver alguns pontos. Existem de fato alguns problemas de gestão de recursos financeiros e humanos nas Universidades (e IFs), mas esses problemas não são exclusivos destas instituições e existem por todo o serviço público. Assim, seria melhor resolver o problema de forma mais ampla e não apenas nessas instituições de ensino... Mas vamos em frente. Muito da legislação que dificulta, às vezes, contratos de licitação, por exemplo, foi criadas para impedir ou mitigar corrupção e, de fato, isso é bem mais comum fora do que dentro das Universidades (se é que há nas Universidades; pelo menos isso não tem aparecido com frequência na mídia). Existem mecanismos claros de governança e gestão nas Universidades, com decisões colegiadas em várias instâncias hierárquicas e uma boa organização institucional. Pela minha experiência, principalmente como Pró-Reitor de Pós-Graduação da UFG durante 3 anos, o que existe realmente é uma falta de recursos tanto financeiros quanto humanos para administrar a instituição. Por exemplo, o número de servidores técnico-administrativo é claramente insuficiente e em muitos casos várias funções administrativas são feitas explicitamente pelos docentes (nas coordenações de curso, por exemplo).


Ao mesmo tempo, desde 2015-2016 o principal problema das Universidades é realmente o congelamento do orçamento, que é claramente insuficiente para manter, com qualidade, uma instituição de grande porte, especialmente considerando a grande expansão de muitas delas após o programa REUNI de 2008-2009. Em 2019, o bloqueio de 30% nos recursos torna a situação, de fato, insustentável, e os reitores e administradores das Universidades estão tentando a duras penas manter as instituições funcionando (correndo o risco de que, ao final do ano, o MEC use essa manutenção das atividades para justificar uma ineficiência crônica no uso dos recursos e, posteriormente, faça uma redução real do orçamento). No item de “fomento” do programa “Future-se”, que fato é o maior dos itens no documento disponível para a consulta, a ideia é que as instituições se beneficiarão de fundos de investimentos, que receberão recursos de várias fontes e que irão apoiar o programa. O MEC poderá repassar recursos à OS ou aos Fundos (e em todo o momento o termo usado é “poderá”, e não “deverá”, e não há definição da quantidade de recursos aportados).


Existe espaço para aprimorar esses mecanismos de governança e gestão? Sim, sempre, em qualquer instituição e organização...Poderíamos repensar a missão da instituição, modernizar os mecanismos de gestão administrativa e estabelecer políticas mais claras de valorização do trabalho docente e dos técnicos, em suas diversas dimensões. Mas isso tem sido feito, e há vários exemplos, alguns inclusive em escala nacional, como o Sistema Eletrônico Integrado (SEI) que começou a funcionar há 2 ou 3 anos. No “Future-se”, por exemplo, coloca-se que todas as informações devem estar disponíveis, um grande esforço de transparência, mas novamente também há muitos anos temos a lei de acesso à informação e todos os salários dos docentes estão disponíveis no Portal da Transparência do Governo Federal. Em termos de gestão de pessoas, para usar um exemplo bem local, o novo modelo de alocação de vagas docentes nos institutos na UFG que foi adotado a partir de 2017 mostra um claro avanço em relação ao modelo anterior, baseado não só em aulas mas em produção científica, orientação de alunos, atividades de extensão e administração (e vejam que a UFG já tinha um modelo de alocação de vagas há pelo menos 15 anos!).


Aqui vem também uma questão importante. Se o problema das Universidades é de gestão, de modo que transferir a gestão para uma OS é a solução, porque as instituições privadas (especialmente aquelas com fins lucrativos), que possuem toda a liberdade de gestão, não possuem bons indicadores de desempenho acadêmico, ou pelo menos são inferiores às Instituições públicas, especialmente as Universidades Federais e Estaduais? Isso só em termos de ensino...Em termos de pesquisa e pós-graduação, não há a menor comparação já que 95% da pesquisa científica no Brasil é feita nas instituições públicas. E não é por uma questão de recursos, pois as instituições privadas têm recebido indiretamente uma série de incentivos financeiros do Governo Federal há muitos anos, principalmente por meio do sistema de bolsas (como o PROUNI) e de financiamento da educação superior (FIES), que garante o fluxo de alunos e o pagamento das mensalidades (resolvendo, no mínimo, o problema da inadimplência, que realmente é sério no ensino privado). Não sou contrário a esse financiamento e apoio, pois sabemos que o sistema público atual, mesmo após o REUNI, não tem capacidade para atingir as metas do Plano Nacional de Educação e para colocar o Brasil no mesmo patamar em termos de percentagem da população no ensino superior em relação a outros países desenvolvidos. Mas esperava-se que as instituições privadas tivessem uma maior inserção na pesquisa e na pós-graduação, mesmo que de forma focada, para melhorar todo o sistema, como já discutimos bastante em termos da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão.


Em relação à pesquisa e internacionalização, temos vários pontos no “Future-se”, mas minha impressão é que eles partem de uma visão muito equivocada e fora da realidade da pesquisa no Brasil. Não sei, posso ter uma visão enviesada, mas de fato não há NENHUM problema de gestão de recursos para pesquisa no Brasil. Nosso mecanismo de repasse de recursos para os pesquisadores e para as instituições no Brasil é EXCELENTE! É importante, logo de saída, que as pessoas entendam que a maior parte do recurso para pesquisa não vem da própria instituição, mas sim de outros órgãos, em geral do próprio Governo (no caso Federal, do CNPq e da CAPES, e das Fundações Estaduais de Amparo e Apoio à Pesquisa, as FAPs). Todos esses órgãos são muito eficientes tanto no sentido de apoiar as atividades de pesquisa em termos de gestão, e o problema atual é, de fato, falta de recursos, conforme coloquei recentemente em um rápido vídeo de defesa ao CNPq e à CAPES!


No caso do CNPq, por exemplo, o pesquisador recebe um cartão de crédito com um limite (que varia de projeto a projeto, dependendo do edital), que ele usa para comprar o que ele precisa para o projeto que foi aprovado. Para todas as compras e pagamentos, o pesquisador deve fazer orçamentos, guardar todas as notas fiscais e, no caso de valores mais elevados de serviços ou equipamentos, devem ser feitas tomadas de preço para justificar a compra. Depois de finalizado o projeto, ele ou ela deve colocar todos os detalhes da prestação de contas, notas fiscais, recibos, etc, na Plataforma “Carlos Chagas”, que vai ser verificada e aprovada (ou não) pelo corpo técnico do CNPq, que por sua vez tem todos os seus mecanismos internos de controle e auditoria. O pagamento de bolsas do CNPq é gerenciado diretamente pela agência, após uma simples indicação do nome e CPF do bolsista pelo coordenador do projeto (e este será acionado pelo sistema via Curriculum Lattes). No caso da CAPES, o sistema funciona de forma um pouco mais “institucional”, e o recurso para apoio da Pós-Graduação é em geral repassado por meio de um convênio ou termo de concessão para a Universidade, no caso do programa PROAP, por exemplo (veja diversas postagens anteriores sobre a CAPES e a pós-graduação). Mas, para alguns programas, como apoio a eventos, projetos de cooperação com as FAPs e, principalmente, o apoio ao Programas de Excelência (PROEX) com notas 6 e 7, o recurso também é repassado diretamente em uma conta conjunta com o pesquisador, que gerencia diretamente os recursos e depois faz a prestação de contas (como no CNPq). As FAPs funcionam, em geral, de forma semelhante ao CNPq, e a outra grande agência de financiamento do Governo Federal, a FINEP (que possui várias linhas de apoio à pesquisa e inovação), repassa os recursos diretamente à instituição, por meio de editais e convênios. Tudo isso é feito rotineiramente, sem o menor problema (exceto, mais uma vez, falta de recursos e acúmulo de trabalho em poucos servidores técnicos qualificados).


No caso do CNPq e da CAPES, o principal problema apontado pelos pesquisadores nesses casos é que, de fato, quem tem que gerenciar o recurso e fazer a prestação de contas é o próprio pesquisador, que poderia dedicar esse tempo à atividade “fim” de pesquisa. Realmente pode ser um problema, principalmente em projetos com financiamento elevado, mas novamente aqui a questão não é gestão “per se”, mas o fato da Universidade não ter um corpo bem maior de servidores técnico-administrativo que pudesse ser alocado para esse fim, em cada Departamento, por exemplo. A FAPESP em São Paulo possui um programa de treinamento para os técnicos da instituição e a ideia é que estas possuem “escritórios” que apoiam o pesquisador mais de perto e tiram dúvidas (mas pelo que eu conheço esses escritórios também não possuem, em geral, capacidade de gerenciar todos os projetos dos docentes, que são muitos). As OS poderiam fazer isso, claro, mas isso implica em ampliar o recurso para contratar pessoas altamente qualificadas para gerenciar os projetos. Portanto, não fazemos isso hoje nas Universidades simplesmente porque não temos como contratar, não por um problema de gestão (e contratar, claro, implica em um custo maior).


Outra possibilidade interessante aqui seria que a CAPES e o CNPq permitissem que as Fundações de Apoio à Pesquisa das Universidades (aqui na UFG a FUNAPE) gerenciassem o projeto, e cobrassem um "overhead”, uma taxa institucional, para isso (o que ocorre em todos os lugares do mundo). Algumas FAPs permitem esse procedimento e a cobrança de taxas de administração, e obviamente as empresas privadas podem pagar essa taxa sem nenhum problema legal ou administrativo. Assim, a maior vantagem das Fundações como a FUNAPE seria justamente gerenciar interação com a iniciativa privada ou ONGs de forma mais flexível. Isso é possível e se um docente possui um projeto de pesquisa com grandes aplicações e uma empresa ou ONG quer financiá-lo, com recursos para laboratório ou bolsas de pesquisa para os estudantes, isso é plenamente possível e ocorre com frequência. O docente também pode receber um adicional de salário na forma de bolsa e com isso ter seu trabalho valorizado, dentro de limites da legislação federal (que são bem amplos, permitindo que um docente mais do que duplique seu salário hoje; ver Art 37, item XI, na Constituição Federal).


Assim, não há nenhum grande problema operacional e de gestão na pesquisa, nem em seu financiamento pela iniciativa privada. A questão que tem aparecido é, portanto, porque essa interação não é maior? Primeiro porque nem todos os pesquisadores trabalham em áreas aplicadas e, segundo, porque muitas vezes nosso empresariado prefere adquirir soluções prontas disponíveis do que investir em pesquisa para soluções locais. Isso é consequência também dos próprios processos globais de solução de inovação tecnológica. Seria interessante fazer movimentos de aproximação e tentar aumentar essas parcerias, claro, e isso existe, tem acontecido. Tenho vários colegas e amigos aqui na UFG e em outras IES que trabalham em áreas aplicadas e tecnológicas com fortes parcerias com o setor privado. Além disso, muito dos poucos problemas burocráticos remanescentes podem ser melhorados ou resolvidos com a implementação do Novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/2016), que é uma das propostas do “Future-se” (mas obviamente não depende dele).


Em termos de internacionalização, novamente o “Future-se” coloca várias ações que já existem e que já acontecem nas instituições. Elas foram muito ampliadas a partir de uns 8-10 anos atrás com o programa “Ciência sem Fronteira” (CsF). Na realidade as críticas que ouvi ao CsF são que na verdade foram investidos recursos demais e que o retorno não estava claro, pelo menos na graduação (mas na pesquisa e na pós-graduação os resultados foram ótimos, na minha opinião). De qualquer modo o investimento foi feito e quem soube e quis aproveitar não teve nenhum problema de gestão ou de mobilização. Cursos de inglês para docentes e discentes (procurem informações sobre o programa “Idioma sem fronteira”, que inclusive foi extinto pelo atual governo...) e intercâmbios constantes são hoje comuns nos grupos de pesquisa mais fortes do Brasil (lembrando que o Brasil é hoje o 13º. país do mundo nos rankings de pesquisa, com um forte componente de internacionalização em várias áreas). Nesse item de internacionalização, me permitam aqui citar o primeiro item do “Future-se”: Compete à OS promover “...cursos de idiomas para os docentes, por meio de parcerias com instituições privadas, para promover a publicação em periódicos no exterior”. Essa parte de publicação de periódicos no exterior, tal qual escrita, não faz o menor sentido, não sei o que quer dizer isso...


Enfim, resumindo, o que tentei colocar rapidamente acima mostra que o que está no “Future-se”, em termos de melhorar a gestão das Universidades e IFs, da pesquisa e da internacionalização, já existe e poderia ser implementado sem maiores problemas pelas próprias instituições, com pouca ou nenhuma modificação em seus mecanismos de gestão e governança, desde que houvesse, de fato, um aumento dos recursos financeiros e humanos disponíveis e diretrizes claras e não conflitantes dos diferentes setores do Governo, e mesmo em um mesmo ministério como o próprio MEC (a CAPES e a Secretaria de Ensino Superior do MEC, ou o Conselho Federal de Educação, muitas vezes emitem portaria ou criam diretrizes antagônicas que criam dificuldades dentro das próprias instituições).



Como o Future-se resolve os problemas das Universidades apontados pelo Ministro Weintrab?


Vamos agora inverter o raciocínio e pensar no outro lado do argumento que me propus a desenvolver aqui, em relação às críticas do ministro Weintraub às Universidades, em um contexto amplo de “eficiência” e de “politização” (ou “ideologização”; e entendo que os dois pontos estão correlacionados). É fácil encontrar uma série das suas manifestações, e talvez um bom resumo esteja em uma entrevista recente que achei, dada pelo ministro ao “Poder360”. Retirando-se as ofensas e agressões gratuitas, vejo que podemos sintetizar as críticas do ministro em três pontos principais: 1) o custo das Universidades Federais e IFs é muito alto, em termos absolutos e em relação às universidades privadas; 2) Os docentes das Universidades são pouco produtivos e ganham salários muito altos; 3) os docentes das Universidades públicas são “de esquerda” e agem de forma ideológica, inclusive elegendo reitores que favorecem o corporativismo acadêmico e político nas instituições.


Em relação ao primeiro ponto, sobre o custo das Universidades, a proposta do “Future-se” é que o programa é de adesão voluntária e que os recursos captados pelos fundos de investimento serão um “adicional”, um “extra” ao apoio do Governo. Entretanto, na proposta disponível para a consulta pública, em nenhum momento o MEC estabelece qual a participação do Governo no orçamento. Em sua entrevista o ministro diz que, em média, nos países da Europa e EUA em média nas Universidades públicas a participação do Governo é de 50%. Se o ministro insiste que o custo das instituições federais é muito alto, isso significa então que o orçamento do Governo vai se reduzir à metade e a outra metade seria captada? Mas o que ele diz é que não, que para quem não quiser aderir tudo “continua como está”; mas isso significa então que o orçamento das Federais vai se manter nos níveis atuais, ou no patamar de 2019 com 30% de corte? Vejam que o orçamento das IES não está definido “a priori” nem tem um valor constitucional, o que existe é uma negociação no Congresso todos os anos e uma definição na Lei de Orçamento Anual (LOA). Posteriormente, existe um modelo que distribui o valor total entre as instituições, a chamada “matriz Andifes”, que leva em consideração a variação em uma série de parâmetros de produtividade, número de alunos, nota dos cursos etc, para chegar ao orçamento anual de cada instituição. Se o ministro vai restaurar o orçamento e manter o modelo da Andifes para quem não aderir (que de fato é insuficiente, mas vá lá...), então qual a vantagem do Future-se em termos de "economia" para o MEC? Como ele resolve com o “Future-se” a crítica do custo muito elevado? Muito estranho...


Outro ponto que já mencionei é como esses fundos vão ser alimentados se a nossa própria sociedade não tem uma tradição de apoiar a educação, a ciência e a Universidade, e se muitos empresários, com raras e honrosas exceções, não buscam a universidade e os institutos de pesquisa, mesmo que seja para resolver problemas que os afligem. Isso se torna mais sério considerando a campanha de difamação e ataque que o ministro e Governo atual tem feito contra a Universidade e contra a Ciência como um todo (me parece, portanto, algo paradoxal).


Vejam que, na verdade, como coloquei no item anterior, muito do problema de gestão que temos está exatamente no fato de que o nosso orçamento é insuficiente. Quando comparamos o sistema público com o sistema privado, o que é notável é que o custo por aluno pode ser menor no privado justamente porque no sistema público os docentes são melhor qualificados e recebem salários melhores. É preciso um contingente maior de pessoas justamente porque os professores devem realmente dar um número menor de aulas na graduação para manter as suas atividades de pesquisa e pós-graduação (que estão muito concentradas no sistema público). Isso sem falar na questão da extensão e da própria administração. Já falei sobre as atividades docentes em várias postagens anteriores e em um vídeo, no qual critiquei a fala agressiva do ministro dizendo que um docente em uma Universidade Federal, como só trabalha 8 horas por semana (?), ganharia um salário equivalente a R$ 120.000,00 por mês!


Sobre o financiamento há ainda um ponto bem importante que eu gostaria de discutir, relativo à cobrança de mensalidade dos alunos das instituições públicas. De fato, isso não está no programa “Future-se”, mas o ministro assume publicamente em sua entrevista ao “Poder360” que a razão pela qual não serão cobradas mensalidades (uma reivindicação antiga de muitos políticos...) é porque a relação custo-benefício dessa medida é muito baixa. Isso porque haveria um alto desgaste político nessa medida e porque, segundo número dele, apenas 10% dos alunos realmente poderia pagar o custo total de sua permanência na Universidade. Mas esse valor de 10% só existe por causa da lei 12.711 de 29 de agosto de 2012, que estabeleceu cotas de 50% para alunos oriundos de escolas públicas e, dentro destas, cotas PPI (para pretos, pardos e indígenas) na proporção dessas categorias na população do Estado, segundo o censo do IBGE. Como existe no Brasil uma forte correlação entre PPI e classe social, na prática a proporção de alunos em situação econômica e social menos favorecida termina sendo maior do 50%, principalmente em cursos com menor concorrência. Por isso os estudantes não poderiam pagar, tudo certo.


Entretanto, não podemos esquecer que, segundo o Artigo 7º. da lei 12711, a partir de 2022 o Governo deverá fazer uma revisão desse programa de acesso. Se essa lei de cotas deixar de existir (e acho que podemos assumir que este Governo não fará muito esforço para mantê-la...), quem irá ingressar nas instituições públicas voltará a ser aqueles alunos com melhores condições sócio-econômicas e que estudaram nas melhores escolas particulares no ensino fundamental e médio. Será que, nesse caso, essa relação custo-benefício não passará a ser bem superior e vantajosa? Com certeza...E, continuando o raciocínio, se as Universidades estiverem em uma situação financeira difícil (voltando à questão da incerteza sobre a participação do MEC no custeio às instituições), será que elas mesmas não vão começariam a cogitar seriamente essa possibilidade de cobrança de mensalidade? Isso se torna ainda mais plausível se os reitores estiverem sido escolhidos diretamente pelo Presidente e/ou pelo Ministro sem respeitar as consultas públicas atuais (algo que já tem acontecido nos últimos meses), favorecendo candidatos ou indicados que tenham essa posição favorável à cobrança.


Sobre a produtividade dos docentes das Universidades Federais e IFs. Como mencionei acima, muitos docentes das instituições públicas estão envolvidos em várias atividades além da sala de aula e isso faz com que sua carga horária na graduação seja bem menor do que nas instituições privadas. Independente de qualquer outro fator, só isso já é suficiente para elevar muito o custo-por-aluno das instituições públicas. Tenho certeza de que é possível melhorar a distribuição de trabalho nas instituições federais e valorizar as atividades de pesquisa, pós-graduação, inovação e extensão, aumentando inclusive o impacto social da pesquisa. Mas para isso basta que haja uma diretriz mais clara do MEC para que as Universidades façam isso e estabeleçam critérios mais efetivos ligados a isso (se esse é mesmo o problema...). Seria interessante ter mais mobilidade entre as Universidades e ter mais incentivos salariais para pesquisadores muito produtivos? Sem dúvida, mas isso poderia ser feito com um aumento da carreira e sua definição mais clara em critérios de pesquisa para a progressão, como há em algumas universidades públicas norte-americanas.


Como comentei em uma postagem anterior, a CAPES acaba de estabelecer esse critério de forma mais explícita na avaliação dos programas, mostrando novamente que esse problema do impacto social tem sido atacado há algum tempo, independentemente do “Future-se”. Se olhamos, por exemplo, o crescimento qualitativo e quantitativo dos programas de pós-graduação, em grande parte nos últimos 10 anos, muito centrado nas instituições públicas, fica claro que há uma grande melhoria na qualidade do trabalho dos docentes. Isso ocorre inclusive porque hoje, nas instituições públicas, a maior parte dos jovens docentes já foi formado em programas consolidados de pós-graduação no Brasil ou no Exterior, e chegam à Universidade muito mais preparados e competitivos para atuar em pesquisa e pós-graduação.


Mas, independentemente das colocações e possibilidades definidas acima, como o “Future-se” pretende resolver o problema da produtividade dos docentes? Não sei...Os docentes atuais das instituições federais, até onde eu entendi, não vão ser demitidos, e em função do REUNI a maior parte deles ainda tem muito tempo de serviço pela frente, ainda mais com as mudanças na previdência (na UFG mais do que 50% dos docentes em atividade foram contratados depois de 2009). Se eles ou elas forem forçados a “dar mais aula”, como o ministro sugere, isso sim vai afetar a produtividade em pesquisa e pós-graduação e internacionalização, sendo portanto uma ação contrária às outras diretrizes do “Future-se” de melhorar essas ações. Por outro lado, a OS aparentemente vai poder contratar os docentes em outros tipos de contratos (CLT), com mais flexibilidade de definição de metas de produtividade e de salário. Mas a experiência na iniciativa privada é que, de fato, os contratos se tornam mais precários e os docentes são contratados para dar mais aulas, sem espaço para a pesquisa ou outras ações que são importantes na vida universitária. Ouvimos continuamente relatos de colegas de que várias instituições particulares estão demitindo docentes com maior titulação e substituindo-os por docentes menos qualificados, ou forçando renegociações de contrato com salários mais baixos e incompatíveis com essa titulação.


A OS, em um novo modelo de governança, vai forçar os docentes menos produtivos a dar mais aula e contratar pesquisadores “top” para fazer o trabalho de pesquisa e pós-graduação, ou pagar salários adicionais para os pesquisadores mais produtivos das Universidades? Talvez, mas vejam que, paradoxalmente, não é isso que o Governo tem sinalizado. O único programa que existe de fato no Governo Federal que apoia um pequeno incentivo de salário para os docentes e pesquisadores mais produtivos no sistema de ensino superior e pesquisa no Brasil (independente dele ou dela estar na iniciativa pública ou privada inclusive...) é o programa de Produtividade em Pesquisa do CNPq. O pesquisador submete um projeto que, se aprovado, concede a ele ou ela uma bolsa de estudos por um período que vai de 3 a 5 anos, dependendo do nível. A bolsa no nível mais alto do CNPq atualmente (nível 1A), possui um valor de R$ 1500,00 mensais, o que representa algo em torno de 10% do salário líquido de um professor titular em final de carreira no sistema federal (não é, portanto, um enorme incentivo financeiro – ela funciona mais pelo mérito e reconhecimento do que pelo valor financeiro). O pesquisador nível 1A recebe ainda R$ 1300,00 reais como um "grant" para usar em custear atividades de menores de rotina da sua pesquisa (algo como livros, computadores, viagens, um pouco de trabalho de campo ou reagentes mais baratos de laboratório), mas é preciso prestar conta desse "grant" ao final do projeto. A bolsa de produtividade não é reajustada há muitos e muitos anos e, pior, o CNPq está totalmente em crise e não tem orçamento para finalizar o ano de 2019. Então, para incentivar os docentes bastaria aumentar o número de bolsas e talvez o seu valor, com mais recursos para o CNPq (simples assim!). Mais uma vez, o sistema de gestão e de governança já existe...


Finalmente, o problema do trabalho docente apontado nos parágrafos anteriores também se liga à questão da “ideologização” das Universidades e à terceira crítica que coloquei acima, feita pelo ministro. Se não vai haver demissões (esperamos...), esse problema apontado pelo ministro continua e o “Future-se” nada diz a respeito disso (pelo menos não vejo como). A escolha dos reitores, essa sim, talvez possa afetar toda essa questão, introduzindo ou apoiando elementos de governança da OS que podem afetar a autonomia da Universidade em aspectos acadêmicas e prejudicar alguns docentes ou alguma áreas do conhecimento específicas, como já coloquei (e o Governo já fez ataques explícitos às áreas de humanidades, por exemplo). Mas isso então é perseguição ideológica séria e de fato inconstitucional, que o Governo acusa os docentes de fazerem contra ele. É isso mesmo?



Em Síntese...


Pelo que coloquei acima, não vejo como o programa “Future-se” pode melhorar o funcionamento das Universidades e da pesquisa científica no Brasil, se não houver um grande aumento no orçamento e no aporte de recursos. Esse aumento, que segundo o MEC viria na forma de fundos público-privados e por meio de mudanças da gestão e na governança do sistema, dificilmente vai acontecer sem uma participação forte do Governo Federal, além de uma grande campanha de adesão da sociedade e do empresariado às universidades (e isso é justamente o oposto que o Governo tem feito em relação à Universidade pública e seus docentes...). É sempre possível melhorar gestão e governança de recursos e de pessoas, mas isso em geral implica em mais recursos e o "Future-se" não é me parece ser a solução. Por outro lado, não vejo como a adesão ao “Future-se” pode resolver as críticas e os ataques que o ministro Weintraub tem feito à Universidade pública.


Em resumo, aquilo que o “Future-se” se propõe a melhorar pode ser feito com pequenas mudanças no sistema já existente e, para início de conversa, simplesmente honrando os compromissos do orçamento e da lei orçamentaria anual (LOA). E se o programa também não resolve os problemas e as acusações apontadas pelo ministro, qual o seu propósito? Acho importante que todos reflitam sobre a questão, leiam o projeto e tentem entender o que está acontecendo. Na minha opinião, os principais problemas do "Future-se" tal qual apresentado à sociedade se resumem a dois pontos:

1) os critérios e valores da governança do sistema de ensino superior público federal não estão claros, no sentido de realmente fazer com que a pesquisa e a produção científica continuem a ocorrer na Universidade de forma livre e democrática, valorizando o conhecimento como um todo e não apenas áreas de interesse tecnológico e aplicado imediatos;


2) a participação mínima do Governo nos fundos de investimento ou sua promoção (ou seja, quanto o Governo vai continuar investindo nas instituições públicas de ensino superior?) não está definida, de modo que se os fundos não conseguirem captar recursos suficientes para a manutenção das atividades das Universidades, a situação pode realmente fugir do controle, com consequências sérias.


Enfim, acho que o problema do “Future-se” está na incerteza sobre os “valores” éticos e morais subjacentes a ele. Porque devemos acreditar em um projeto avançado e inovador para as Universidades vindo de um Governo cujo objetivo parece ser eliminar o pensamento crítico e racional no país? A discussão recente em torno da validade dos dados de desmatamento na Amazônia gerados pelo INPE, bem como as declarações sobre mudança climática e liberação de agrotóxicos (só para citar alguns exemplos...) ilustram um descompromisso com a ciência e uma agenda de pesquisa que nitidamente favorece interesses comerciais e econômicos imediatistas. Investir e priorizar áreas tecnológicas não é a solução, nunca foi...Afinal, em 1944 o Estado com tecnologia mais avançada do mundo era a Alemanha nazista, e com certeza esse não é um bom exemplo para seguirmos (espero!). Quem garante a democracia é a liberdade de expressão e o direito à educação no nível mais avançado possível para todos os cidadãos, a partir de escolas e universidades fortes, laicas e socialmente referenciadas. E essa "Academia", no melhor sentido platônico, não pode existir plenamente em um Estado que demonstra claramente um desprezo pela evidência científica em todas as áreas, incluindo saúde, educação, segurança pública, meio-ambiente e tantas outras, isso sem falar em sérias declarações contra os direitos humanos e a liberdade de expressão cultural e artística.





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