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Tipos de carreira e "soft skills": a pós-graduação como um laboratório de desenvolvimento pessoal


Rafael Loyola


Diretor científico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), professor do Departamento de Ecologia do ICB, UFG, Bolsista de Produtividade 1A do CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências










Se você é leitor do “Ciência, Universidade e Outras Ideias” e está cursando mestrado ou doutorado em uma área científica, há chances de você ter desenhado mentalmente uma carreira linear. Explico-me: você começou sua graduação, identificou-se com a pesquisa e ensino e encontrou na carreira acadêmica uma boa opção para você. Se isso aconteceu, o caminho natural foi refinar seus conhecimentos na pós-graduação, em uma linha de pesquisa. Muitas vezes, sequer refletimos sobre esse desenrolar da carreira, é simplesmente algo que acontece no “piloto automático”. Comigo foi assim.


Entretanto, o mundo hoje é bem mais complicado do que na época dos nossos pais ou avós. Na verdade, dizemos que ele é Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo, um mundo VUCA, como é conhecido esse acrônimo (o “U” vem de “uncertain”, em inglês). É volátil porque a todo momento as coisas mudam. O que é “verdade” hoje não é necessariamente verdade amanhã. Pense no avanço e dinamismo de algumas áreas de ciência e você verá como tudo muda muito rapidamente. O mundo é incerto porque essas mudanças causam incerteza. A pandemia de COVID-19 nos mostrou o quão frágeis somos e como nossos sistemas respondem de maneira descompassada e lenta diante das incertezas. Dizemos que o mundo atual é complexo porque existem muitas variáveis que precisamos incluir na equação dos fenômenos sociais. A interação desse tecido social, cultural e até religioso torna tudo realmente complicado. E, por fim, vivemos a pós-modernidade, a "pós-verdade", a "modernidade líquida". Assim, não há uma verdade absoluta, mas várias “verdades”, de modo que é comum termos ambiguidades. Ou termos, pelo menos, interpretações da verdade sob o filtro da cultura, do contexto social, religioso, político.


O mundo VUCA nos obriga a estar atentos às mudanças constantes e a nos adaptar a elas para ficarmos no nível desejado de nossa carreira. Antes, se você tinha oportunidade de estudar, algumas carreiras te proporcionavam a segurança do emprego. Era assim com o Direito, Medicina, Engenharia e Administração de empresas, por exemplo. Meu pai, e muito de seus colegas, fizeram administração. As coisas eram mais claras, mas o mundo de hoje tem muitos matizes. Em última instância, a maneira como planejamos nossa carreira determinará o profissional que seremos.


É por isso que uma carreira estritamente linear, voltada para o aprofundamento em uma única área de conhecimento ou de atuação deixou de ser “a” carreira e passou a ser um tipo de carreira. Aliás, essa é a descrição da “carreira I”. Ela é “I” porque se aprofunda em um tema e os profissionais com esse perfil de carreira normalmente atuam como especialistas ou consultores. É o tipo de carreira de muitos acadêmicos que estão nas universidades e centros de pesquisa.


Contudo, e especialmente fora da academia, ser um profissional com perfil de carreira “I” pode ser limitante para seu crescimento. Isso porque muitas empresas e organizações da sociedade civil e governos enxergam profissional “I” como alguém "técnico". Pare para pensar um pouco e vai perceber que nas empresas, por exemplo, quando alguém se destaca e é promovido consecutivamente, ele ou ela acaba assumindo um cargo de gestão e não de execução técnica. Ou seja, o que esse profissional gosta é de executar as coisas lá na ponta, mas para chegar a um cargo mais alto e melhor remunerado ele ou ela termina por abrir mão disso e se torna um supervisor(a), gerente ou diretor(a). Para muitos esse caminho é natural, mas outros profissionais não ficam confortáveis em cargos de gestão.


Para solucionar esse problema, algumas instituições oferecem a possibilidade de uma carreira “Y”. Ela tem esse formato porque em um dado momento, o profissional pode optar por seguir um caminho rumo à gestão (como é comum acontecer) ou seguir dedicado à área técnica. O grande diferencial é que ele ou ela será valorizado e terá oportunidades de crescimento e ganho de salário nesta mesma área.


Para além das carreiras “I” e “Y” (e existem outras, é só fazer uma busca na internet), o mercado tem valorizado muito profissionais que desenvolvem um perfil de carreira “T”. Um profissional “T” possui amplo conhecimento em um tema ou área de atuação (por exemplo, ecologia), mas desenvolveu conhecimento e habilidades em outras áreas (por exemplo, gestão de pessoas, contabilidade, liderança, comunicação) que permitem e facilitam sua atuação de maneira transversal. É fácil perceber por que esse tipo de profissional é tão valorizado: ele ou ela tem uma formação de excelência, mas ao mesmo tempo agrega valor em inúmeros outros processos dentro do trabalho. Eu me vejo e me esforço para ser um profissional de carreira “T”. Mas isso é particular em função do meu perfil e interesses e não um julgamento de valor sobre os perfis “I”, “Y” ou “T” que mencionei. O importante é que você descubra seu propósito e busque desenvolver uma carreira que lhe permita atingi-lo.





Outro aspecto importante associado à sua carreira é o desenvolvimento de habilidades técnicas – normalmente adquiridas nos cursos e disciplinas – e de habilidades comportamentais, isto é, aquelas que você adquire e aprimora ao longo da formação técnica. Essas habilidades comportamentais são denominadas “soft skills”, no jargão do desenvolvimento de pessoas.


As habilidades comportamentais e interpessoais são velhas conhecidas de todos nós: inteligência emocional (e seus pilares autoconhecimento, gestão de emoções, empatia e sociabilidade), capacidade de comunicação, criatividade, capacidade de resolução de problemas, disposição para aprender e se atualizar constantemente (chamado de life-long learning), flexibilidade cognitiva (isto é, a capacidade de aprender conteúdos fora de sua área de formação), entre outras.


Essas soft skills são tão importantes que em uma pesquisa recente conduzida pelo LinkedIn, dentre milhares de empresas avaliadas, 60% disseram buscar profissionais com base em suas habilidades comportamentais e não técnicas. É mais que a metade das empresas avaliadas! Isso significa que as “soft skills” são o novo CV. O seu currículo técnico (no nosso caso da academia principalmente o CV Lattes do CNPq) vai passar a ser mais um “pano de fundo”, um elemento mínimo necessário para sua contratação, mas suas habilidades sociais e interpessoais determinarão muito do seu futuro no mercado de trabalho.


Obviamente, avaliar essas competências é mais complicado que verificar se você tem um diploma ou certificado de curso. É por isso que em entrevista de emprego, é comum que recrutadores façam perguntas do tipo “Como você lida com divergências no trabalho?”, “Quais são seus pontos fortes?”, ou “Descreva uma situação de conflito na qual sua atitude foi determinante”. São perguntas difíceis e, até certo ponto subjetivas, mas o ponto principal aqui é que os recrutadores ou recrutadoras querem ouvir de vocês o que não está em seu CV (as “soft skills”) porque o que já está lá (as chamadas hard skills), eles ou elas podem simplesmente verificar.




Para terminar, tenho insistido que a pós-graduação é um laboratório fantástico para seu desenvolvimento pessoal. É claro que isso vale para a graduação e para qualquer ambiente profissional. Mas na universdade as oportunidades são inúmeras. Vou dar apenas um exemplo e deixo com você a tarefa de pensar nos demais.


Vamos imaginar que seu professor ou professora diz que, em grupos, vocês farão um trabalho na disciplina. Terão que abordar um tema em um seminário, que será apresentado para a turma em 20 minutos. Ao saber disso, você pode pensar: “Que professor preguiçoso! Ele quer que façamos seu trabalho!”. Alternativamente, você pode aproveitar essa oportunidade para desenvolver, para além do conhecimento que o trabalho lhe trará, uma série de habilidades comportamentais. Por exemplo, você terá que se reunir e definir o trabalho a ser feito pelo grupo (liderança, comunicação), terá que ler a literatura para entender sobre o tema e sintetizar o que aprendeu em poucas palavras ou slides (organização, capacidade de síntese), terá que avaliar se conseguirão entregar e apresentar tudo a tempo (autoconhecimento, resolução de problemas, empatia) e, por fim, apresentar o trabalho (criatividade, comunicação, flexibilidade). Pode ser ainda que você receba críticas e aí terá que trabalhar sua gestão de emoções e resiliência. E isso foi apenas para um trabalho. Quantas oportunidades desse tipo você tem ao longo de sua formação?


Para isso acontecer, contudo, é preciso duas coisas: consciência e pró-atividade. Para perceber essas oportunidades é preciso estar conscientes de que elas foram apresentadas a você. Entender que naquele trabalho, naquele projeto, naquela situação, há possibilidade de crescimento e desenvolvimento de habilidades comportamentais. Além disso, é preciso não apenas reconhecer as oportunidades, mas fazer algo diante delas. Ser pró-ativo é um pré-requisito para desenvolver sua carreira.


Curiosamente, em um futuro no qual diversos trabalhos estão ameaçados pela chamada “economia 4.0” e seu desenvolvimento de processos como automação e uso de inteligência artificial, as habilidades inerentemente humanas serão aquelas mais valorizadas no ambiente profissional. Tudo se resumirá ao que podemos delegar a um sistema automatizado e o que realmente teremos de fazer, pois as máquinas não conseguirão. Sempre há tempo e espaço para desenvolver esse lado humano de sua carreira profissional, resta você ficar consciente e disposto diante das oportunidades.



Veja no canal do YouTube do PPG em Ecologia & Evolução da UFG a palestra do Prof. Rafael sobre esse tema!




fonte: Unsplash


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