Trump, Darwin e mudanças climáticas...
- José Alexandre F. Diniz F
- 12 de fev.
- 7 min de leitura
Começamos 2025 com um novo mandato do presidente Donal Trump nos EUA. Como esperado e prometido durante a campanha eleitoral, temos uma série de medidas bastante “questionáveis”, para dizer o mínimo...Nem precisamos detalhar todas essas ações, bem como a inédita ligação explícita entre política e poder econômico, tudo amplamente noticiado na mídia nas últimas semanas...Uma dessas ações, já esperada, é que Trump, novamente, retira os EUA do Acordo de Paris, reforçando a sua visão negacionista em relação às mudanças climáticas e às questões ambientais de modo geral. Não que os EUA tenham se empenhado muito nos últimos anos, mesmo nas gestões democratas, para apoiar a redução de emissões e assim mitigar as projeções alarmantes que temos para meados do século XXI, mas enfim...Esse movimento de Trump é particularmente importante para nós considerando que em novembro deste ano o Brasil irá sediar a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém do Pará, passando a ser o centro das atenções nesse tema. Muitos estão, com razão, otimistas e insistem nos acordos focados na redução das emissões, vamos ver...
Mas o que Trump tem a ver com Darwin nesse contexto e porque estou pensando nisso hoje, dia 12 de fevereiro, quando comemoramos em todo o mundo o “Darwin’s Day”, em homenagem ao nascimento dele em 1809? Em um contexto de ecologia e evolução, nosso foco de trabalho em relação à mudança climática tem sido seu impacto nos diferentes componentes da biodiversidade. Já discutimos anteriormente aqui no “Ciência, Universidade e Outras Ideias” toda a questão de como geralmente analisamos os impactos da mudança climática construindo modelos de nicho ecológico, basicamente correlacionando a ocorrência das espécies com dados climáticos atuais e em seguida projetando a distribuição geográfica esperada no futuro, ou pro passado (em geral mostrando uma redução ou deslocamento). Ainda em 2019, já havíamos discutido também que esses modelos assumem, na verdade, que o nicho das espécies não evolui permitindo adaptar às mudanças no clima, principalmente porque estamos falando de mudanças em poucas gerações. Nada de Darwin, por enquanto...
Entretanto, diversos modelos de genética quantitativa evolutiva desenvolvidos em meados dos anos de 1990 sugerem que é possível pensar em adaptação relativamente rápida para ambientes em mudança, em um processo que chamamos de “resgate evolutivo”. Em resumo, esses modelos sugerem que embora a mudança gradual no ambiente reduza a aptidão das espécies, fazendo com que haja um declínio da população, ao mesmo tempo isso pode desencadear um processo de adaptação a esse novo ambiente. O desafio é, portanto, equilibrar essas duas forças, no sentido de que a velocidade com que o ambiente se “deteriora” em relação ao ambiente ótimo original deve ser menor do que velocidade máxima com a espécie é capaz de se ajustar aos novos ambientes que vão gradualmente aparecendo. Esse é um processo “clássico” de seleção natural Darwiniana, e a novidade desses modelos desenvolvidos nos anos de 1990 é que a mudança não é abrupta, e sim gradual (no caso do modelo elaborado pelo grupo de Michael Lynch), o que abre espaço para a possibilidade de que, mesmo em poucas gerações, pelo menos algumas espécies sejam capazes de resistir às mudanças que a Humanidade tem gerado em escala planetária...

Curvas de tamanho populacional ao longo do tempo, sob um processo puramente ecológico de redução populacional em um ambiente em mudança (linha tracejada vermelha) e adicionando o efeito do "resgate evolutivo" no qual a população, após uma redução inicial, começa gradualmente a se adaptar ao novo ambiente e consegue se recuperar.
Em um certo sentido, toda essa discussão sobre os impactos da mudança climática sobre a biodiversidade, em termos de deterioração das condições atuais, é paradoxal, já que sabemos que a maior parte das explicações para os padrões macroecológicos e biogeográficos que temos envolvem as mudanças climáticas no passado, em função da dinâmica geográfica e temporal de especiação, deslocamento de distribuições geográficas e extinções. Nosso grupo de pesquisa tem avançado em mostrar essa ligação em diversos trabalhos publicados nos últimos 25 anos, incluindo alguns publicados mais recentemente em revistas científicas de alto impacto como “Science” e “Nature”. Por outro lado, quando falamos em mudanças climáticas antrópicas, o foco tem sido nas extinções, mas os modelos de resgate evolutivo abriram a possibilidade de que, talvez, a adaptação às mudanças seja possível, mesmo em períodos curtos de tempo...Será?
Quando apresentei meu primeiro trabalho sobre “resgate evolutivo”, em 2018, no Congresso Internacional de Biogeografia em Évora (Portugal), a convite do meu colega Miguel Araújo (posteriormente publicado na Ecography, em 2019), fiquei empolgado com a possibilidade de que, talvez, esse processo pudesse ajudar e mitigar extinções. Além disso, me dava a oportunidade de trabalhar de forma integrada em concepções teóricas em ecologia e em evolução (que, por mais estranho que possa parecer, ainda são tratadas na maior parte dos casos de forma independente...). As nossas análises “eco-evolutivas” (esse é nome da moda...) têm mostrado que populações situadas uma pequena parte da distribuição geográfica das espécies que seriam mais duramente afetadas pela mudança do clima, onde as condições ambientais estariam “fora” da capacidade atual de sobrevivência das espécies, poderiam persistir por processos de seleção natural darwiniana, pelos modelos de resgate evolutivo. E qual foi minha surpresa ao perceber, revendo esses dias os meus slides de 2018 da palestra em Évora, que havia colocado uma foto do Trump no final, à época em seu primeiro mandato!!! Não lembrava disso, mas, de forma otimista, eu disse na palestra que o resgate evolutivo poderia mitigar os processos de extinção por mudança climática, mas que ninguém deveria contar isso a Trump e aos republicanos porque assim eles poderiam mudar o argumento e, ao invés de dizer que não há mudança climática, passariam a dizer que não há motivo para preocupação já que “life will found a way”! Claro, a ideia era arrancar risos da platéia...
Mais de 5 anos desde essa publicação inicial temos repetido essas análises em diversos contextos, para diferentes grupos de organismos e em diferentes escalas geográficas e horizontes de tempo, com resultados similares. Nossa análise mais recente e mais abrangente, parte da tese da minha ex-aluna de Doutorado Kelly Souza Silva, já utilizando métodos mais sofisticados que incorporam a dificuldade das espécies se deslocarem para atingir regiões climaticamente adequadas, mostrou que deveríamos reduzir pelo menos um pouco nosso otimismo, já que a perda combinada de múltiplas espécies será realmente grande e terá um forte impacto principalmente nas regiões de alta diversidade (como a Amazônia).

Padrões de diversidade globais de anfibios, mostrando a riqueza de espécies atual, e mapas de modelos com perda de espécies acompanhando o nicho atual, incorporando a possibilidade de dispersão e, abaixo, a possibilidade de resgate. Embora haja uma menor perda de riqueza sob o cenário de resgate, ainda assim muitas espécies tendem a desaparecer e reduzir suas distribuições geográficas (ver Souza et al. 2023).
Temos também agora a possibilidade de utilizar novas metodologias de análise genômica para auxiliar na detecção de variações genéticas correlacionadas à variação ambiental e que podem fornecer “matéria prima” para esses processos de adaptação (vejam por exemplo o elegante trabalho do grupo da Fernanda Werneck, do INPA, sobre análises moleculares de resgate evolutivo em lagartos na Amazônia). Em uma perspectiva mais avançada, poderíamos manipular os genomas por novas ferramentas biotecnológicas e talvez ampliar os limites de tolerância térmica, também auxiliando nesses processos de adaptação (isso já é plausível, mesmo com seleção artificial clássica, para espécies de plantas cultivadas de interesse econômico). Aliás, estamos justamente hoje no meio de um “workshop” do nosso INCT em Ecologia, Evolução e Conservação da Biodiversidade discutindo a questão da genômica populacional e a nossa capacidade de utilizar novas abordagens moleculares a fim de distinguir entre variações genéticas neutras e adaptativas nas populações.

Workshop de genética e genômica no INCT em Ecologia, Evolução e Conservação da Biodiversidade, fevereiro de 2025.
Muito legal pensar nessas possibilidades, mas, de fato, os problemas continuam e ainda há muitos desafios a superar a fim de avaliar o potencial de que a adaptação Darwiniana (com uma pequena ajuda eventual da biotecnologia e da criatividade humana) seja capaz de pelo menos mitigar os impactos da mudança climática...Nossas análises estão restritas, em geral, à questões de distribuição espacial das espécies em um contexto macroecológico e biogeográfico, mas os impactos podem vir de forma muito mais sutil. Por exemplo, a alta do preço do café que observamos ao longo de 2024, pelo menos em parte, é resultado da mudança climática porque houve uma redução no tamanho dos frutos e perda de produtividade...Ou seja, ainda que as populações possam persistir em um dado local, a mudança no clima pode afetar as espécies de forma mais sutil e reduzir a aptidão individual, podendo leva-las à extinção (e, neste exemplo, causar um impacto econômico, já que se trata de uma espécie que utilizamos). De fato, um trabalho publicado na Nature Communications ainda em 2019 por Viktoriia Radchuk e colaboradores utilizando uma abordagem meta-analítica (i.e., analise combinada de dezenas de estudos) sugere que processos adaptativos não são suficientes para garantir a persistência das espécies diante da alta velocidade das mudanças climáticas especialmente afetando características fisiológicas e do que chamamos de “história-de-vida”.
E, dentre todos os desafios, impossível esquecer que Trump está de volta...Mais importante, esse retorno não parece ser um caso isolado, sinalizando um avanço da extrema direita em todo o mundo. Como parece haver uma correlação entre o espectro ideológico político e o negacionismo climático, as perspectivas não são boas...Some-se a isso a questão da forte ligação entre política e poderia econômico, na forma de apoio a Trump dos megaempresários do setor de comunicação em massa promovendo o avanço da desinformação e das “fake news” reforçando o negacionismo, e temos a tempestade perfeita. Quem sabe se a China assumir o protagonismo nessa área, no contexto da guerra econômica anunciada (na realidade já em curso...) ainda que apenas para afrontar os EUA, tenhamos alguma chance...Apesar de crescimento econômico da China ter causado uma série de problemas, parece haver indícios de que o país está disposto a investir em energia renovável e em uma economia mais sustentável...Vamos ver, mas por enquanto acho que nem Darwin vai nos salvar...Infelizmente,”Life will find a way”, mas se continuarmos desse jeito não vamos estar aqui pra ver isso!


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