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Foto do escritorJosé Alexandre F. Diniz F

O Desafio Docente no Ensino de Graduação

Existem muitas discussões sobre o papel do docente e a sua preparação para ensinar, especialmente quando falamos do ensino superior nas universidades. Um ponto inicial para qualquer discussão sobre ensino é pensar em “bons” professores e professoras, embora eu ache que isso pode ser bem difícil de definir e muito variável entre os níveis de ensino. Mas vamos refletir um pouco sobre isso...Eu acho que, em primeiro lugar, o professor deve “dominar” o assunto que ensina, isso me parece fundamental (e uma forte atividade de pesquisa já resolve em grande parte esse aspecto, como já discutimos algumas vezes nas postagens sobre indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão)! Isso deve ser valorizado, mas claro que não é só isso...

Há uma série de aspectos importantes que são mais difíceis de avaliar de forma objetiva para definir o que é um bom professor ou professora, pois envolvem muitos componentes emocionais e psicológicos. Ele ou ela deve ter paciência e interesse em ensinar, e para isso tem que ter facilidade em se “colocar no lugar do outro” (que quer aprender). Essas características me parecem em grande parte “inatas”, eu diria que quase um “dom”, pois estão ligadas a uma série de características da própria personalidade do indivíduo, embora um bom treinamento ajuda a desenvolvê-las ou aperfeiçoá-las. Ele ou ela deve saber lidar com uma série de dificuldades emocionais dos alunos e resolver uma série de dilemas que muitas vezes nem envolvem a sua área de ensino...Claro, uma avaliação dos docentes pelos discentes tem sido muito usada e creio que essa percepção capture muito desses componentes mais subjetivos, mas de alguma ela também está correlacionada ao perfil do próprio discente, de modo que não é muito simples desdobrar essa interação.


De qualquer modo, especialmente considerando essa necessidade de uma maior dedicação sob o ponto de vista psicológico e emocional, você já imagina que é bem mais fácil ser um bom professor ou professora se ele ou ela é bem remunerado(a) e reconhecido(a) profissionalmente, algo que infelizmente está se tornando cada vez mais difícil no Brasil, especialmente no ensino fundamental...Isso é uma outra questão, que vamos esquecer por um momento (digo esquecer apenas para fins da argumentação a seguir – de fato temos que manter esse problema em mente durante todo o tempo!). De qualquer modo, no nosso contexto mais específico do ensino superior, não acho que nem salário nem reconhecimento sejam grandes problemas, pelo menos quando comparamos as carreiras dos docentes aqui e em outras Universidades de diversos países do mundo.

Para começar de modo um pouco mais específico a discussão sobre a questão do professor de ensino superior, acho importante ressaltar que muitos docentes das universidades não possuem uma formação pedagógica (e me incluo nesse grupo), tendo na realidade uma formação mais específica em sua própria área do conhecimento. Não sei até que ponto isso é realmente um problema, considerando o forte componente “inato” ou de “dedicação” na atividade didática e toda a discussão sobre a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Entretanto, um ponto a se considerar é que a forte ligação entre ensino e pesquisa no Brasil (e em todo o mundo de fato) pode gerar alguma distorção em termos de reconhecimento do “propósito” do trabalho na universidade, por parte de alguns docentes. Receio que não seja incomum encontrarmos docentes que, na realidade, queriam de fato se dedicar integralmente às atividades de pesquisa e que, em um certo sentido, não queriam ser professores ou professoras. É a vida, e isso está ligado à forte correlação entre ensino (superior) e pesquisa no Brasil, como tem sido muito alardeado nos últimos tempos...Em alguns casos, pode ser algo ligado à “maturidade” e à etapa na carreira, já que hoje há muita pressão nos jovens doutores em inicio de carreira para que eles se estabeleçam como pesquisadores, montem laboratórios, ingressem na pós-graduação...Com essa pressão, pode ser mais difícil querer dedicar muito mais tempo se dedicando ao ensino.


Mas esse problema também existe em vários locais do mundo e as soluções adotadas para resolvê-lo são diferentes. Em algumas grandes universidades dos EUA e Europa isso é praticamente “assumido”, de modo que não se espera que um pesquisador importante ministre aula para alunos iniciantes, por exemplo, o que na minha opinião pode ser um grande equívoco. Algumas universidades contratam professores como pesquisadores para os departamentos das áreas específicas (em Ecologia, por exemplo), principalmente para atuar na pós-graduação. Além disso, possuem vagas mais mais específicas (e às vezes com contratos mais modestos em termos de salário ou estabilidade) para docentes que sejam responsáveis pela formação mais básica no nível de graduação, lotados em outros departamentos independentes ou outras “escolas” dentro da Universidade, dedicadas à formação de graduação (há em vários locais o que eles chamam de graduate schools). No Brasil não podemos, entretanto, nos dar a esse luxo, e não sei de fato se esse modelo faz mesmo sentido, considerando tudo que já discutimos sobre a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Claro, isso não quer dizer que deva-se sobrecarregar um docente com uma carga horária de ensino muito elevada (já discutimos anteriormente que esse é o principal fator, pelo menos em minha opinião, que dificulta o avanço das IES privadas em termos de pesquisa e pós-graduação).


Honestamente, pensando na realidade brasileira, o que é possível fazer nos casos de docentes insatisfeitos ou decepcionados com a atividade docente é exigir pelo menos o cumprimento dos seus compromissos institucionais e pedir que esses docentes ministrem suas aulas da melhor maneira possível. Longe do ideal, claro! Mas não podemos nos fixar nesse lado negativo, até porque não temos (até onde eu saiba...) um levantamento objetivo do balanço entre esses diferentes "perfis" de docente-pesquisador nas universidades. Embora se fale muito que jovens doutores não querem ensinar, não acho que seja bem assim em muitos e muitos casos. Embora eu não possa negar que já vi ao longo da minha carreira essa atitude mais “negativa” contra o ensino em alguns colegas, tenho a sensação de que temos muitos bons pesquisadores bastante motivados com a questão do ensino. Hoje está mais claro que, pelo menos, isso pode ser uma boa oportunidade para criar grupos de pesquisa com um ambiente intelectual estimulante, ou que os alunos de graduação possam ajuda-los às vezes nas rotinas dos laboratórios (melhorando a própria formação deles, como discutimos anteriormente; voltamos à ideia do tripé...sempre!). Mesmo durante a formação dos doutores e nos pós-doutores vemos hoje muito interesse em ter experiência de ensino e se preparar nesse sentido para uma carreira docente (vamos discutir no futuro a questão do “estágio docência” da CAPES). Também é interessante constatarmos que, quando conversamos com colegas pesquisadores que trabalham nos institutos de pesquisa, uma das reclamações deles é justamente que eles não têm alunos com quem discutir e que possam ajudar a formar seus grupos de pesquisa.


De qualquer modo, é importante manter em mente que, em função de uma formação longa e muito focada na pesquisa (assumindo, por exemplo, que eles precisam ter um Doutorado para poder fazer um concurso na Universidade Federal), pode haver mais dificuldade de algumas pessoas para assumir uma carreira docente no ensino superior. Isso porque esses docentes não queriam realmente essa carreira, mas não tiveram outra alternativa de emprego como pesquisador em tempo integral, ou simplesmente porque esses docentes não têm uma formação mais específica para isso, o que dificulta sua maior inserção ou dedicação nessa atividade. Mas é preciso superar isso em algum momento, até porque a maior parte da pesquisa no Brasil está mesmo nas Universidades...Alia-se a essa falta de formação algumas dificuldades intrínsecas na profissão de professor, e uma das mais desafiadoras, na minha opinião e experiência, é a questão do “conflito geracional”.


Vamos envelhecendo, naturalmente, mas temos que lidar continuamente com as novas gerações que chegam à universidade, que ano após ano mudam em termos de comportamento, linguagem e padrões sociais. Acho que esse efeito é muito forte atualmente por causa da velocidade das mudanças associadas, por exemplo, à tecnologia, e há muita dificuldade, por exemplo, em manter a atenção de um aluno de graduação (ou mesmo de pós-graduação) por muito tempo... Um exemplo quase anedótico aqui refere-se ao uso de telefones celulares na sala de aula. Claro que é muito fácil hoje em dia que um estudante “disperse” e deixa de prestar atenção na aula, e passe olhar com muito mais interesse seus aplicativos e monitorar suas redes sociais. A solução que muitos adotam é proibir o uso do celular e tentar fiscalizar isso (usualmente com pouco sucesso...), mas obviamente o melhor seria fazer com que o estudante pudesse usar o seu smartphone ligado à internet para as próprias atividades do curso. Hoje já existem muitos aplicativos específicos para isso, muito interessantes, e seu uso poderia resolver o problema de forma mais fácil, menos conflituosa e certamente de forma mais produtiva. Mas é preciso investirmos muito mais tempo em entender tudo isso e desenvolver estratégias para lidar com esses tipos de problema. Nesse sentido, olhando pelo lado positivo, o contato constante com as novas gerações tem o potencial de nos manter, como professores, sempre atualizados e jovens (pelo menos em mente e espírito), e claro que isso pode ser bom!


Minha impressão clara é que a ideia de um professor falando para uma turma de 30 ou 50 alunos ouvindo está fadada ao fracasso! Acho que dizer isso chega a ser trivial hoje em dia, mas eu mesmo não consigo resolver esse problema com a facilidade com que gostaria...É preciso pensar em novas estratégias que seriam, inclusive, mais ligadas ao conceito fundamental do tripé, envolvendo diferentes formas de “metodologias ativas”, tais como PBL (“Problem-Based Learning”), TBL (“Team-Based Learning”), sala de aula “invertida”, e tantas outras ideias, inclusive utilizando os smartphones. Há duas dificuldades ai...primeiro, o docente das universidades em geral não tem formação para isso, como já falamos, e segundo seria preciso que a própria universidade oferecesse mais oportunidades e estrutura física, incluindo internet de alto desempenho para todos, para que essas estratégias novas fossem implementadas (a esmagadora maioria das salas de aula que conheço, em todas as IES, tem o formato “tradicional” de cadeiras enfileiradas com um quadro ou tela na frente, e a internet vai deixar a desejar, com tantos usuários...). Outro problema é que os docentes são atualmente mais cobrados nas outras atividades de pesquisa e extensão (pela própria natureza do sistema atual e pela lógica do tripé que já discutimos tantas vezes) e naturalmente preferem investir seu tempo nessas atividades. Por outro lado, todas essas atividades mais novas e tecnológicas exigem uma maior motivação dos discentes também, e não podemos esquecer desse fator!


Notem que estou chamando atenção desse problema nessa postagem sobre a graduação, pois entendo que na Pós-Graduação, de modo g eral, esse problema é menor porque a maior parte das atividades no Mestrado e Doutorado envolvem, na prática, um modelo "alternativo" de ensino (ou seja, pelo menos em um certo sentido os estudante vão aprender desenvolvendo seus trabalhos de pesquisa sob orientação do docente – vamos discutir isso em seguida, nas próximas postagens).


Finalmente, acho que no contexto da atividade docente em geral, o problema geracional me parece mais sério na transição ensino médio - superior, já que os estudantes chegam do ensino médio fortemente acostumados com esse modelo de transmissão quase “unidirecional” professor-aluno, em um ambiente organizado e no qual o conhecimento está todo estruturado. Nada mais diferente do que esperaríamos dos estudantes na universidade e do que eles vão encontrar, posteriormente, na sua vida profissional. Como em muitos casos, acho que o ponto importante é que o ensino teria que ser repensado como um todo, desde os primeiros anos... Difícil, tanto em termos culturais quanto em termos de investimento governamental e privado na Educação em todos os níveis, mas deve ser o caminho.




Foto capa: Muitas gerações de docentes e estudantes no encontro do "Laboratório de Genética & Biodiversidade" da UFG em 2018...


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